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Contemporaneidade

Aliada à exclusão social, a precariedade simbólica característica de um mundo desreferenciado, sem Outro (inconsciente), pelo declínio da função paterna – a lei do pai, agente da castração que faz o sujeito advir na norma fálica, dando-lhe condições de significar seus significantes e que o coloca na partilha dos sexos – e pela elevação do objeto a – o objeto pulsional perdido que sinaliza para a falta constitutiva do sujeito, geradora do desejo, mas que, hoje, na sociedade do consumo, assume o papel de tamponar a falta e, então, a falta da falta desencadeia a angústia – a zênite da civilização contemporânea, impacta sobremaneira a clínica psicanalítica (FREIRE et al, 2005).

É que, sempre na visão de Freire et al (2005), o fato causa profundas transformações na elaboração da subjetividade. Os novos sintomas que o digam. Formatados no discurso da ciência, eles rejeitam o inconsciente, pois surgem do “excesso pulsional, que passa ao largo da função fálica, reguladora do funcionamento psíquico quando existe hegemonia do Nome-do-Pai”, enquanto mecanismo instaurador do sujeito (ZUCCHI e SANTOS, 2007, p. 61).

Daí a eclosão de fenômenos psicopatológicos no corpo, em vez de no pensamento, que lançam na penumbra o diagnóstico estrutural de neurose, psicose e perversão, para aflorar os novos sintomas ou sintomas prêt-à-porter, cujo gozo em excesso recebe aval do consumo desenfreado. Zucchi e Santos (2007, p. 62) citam “astenias, depressões, compulsões, inibições, anorexias, bulimias, drogadicção e outros modos de viver promovidos pela cultura que enaltece os objetos da pulsão, em detrimento do ideal”. O resultado é a preponderância imaginária, perceptível no narcisismo, na imagem, e o estatelar de um gozo autístico, egoísta, implicado no sintoma. A redução desse gozo, desse excesso é que está em jogo nos efeitos terapêuticos rápidos na Psicanálise Aplicada.

Para lidar com os novos sintomas, eis que a Psicanálise adota a clínica continuísta ou clínica do real (pulsão) ou clínica do vazio, sem, contudo, abandonar a clínica descontinuísta ou clínica da falta ou clínica estrutural. A distinção entre ambas foi legitimada na Conversação de Arcachon, na França, sob o comando de Jacques Alain Miller. Zucchi e Santos (2007) esclarecem que, na clínica estrutural, o sintoma freudiano clássico, uma solução de compromisso com as exigências da civilização, traz a marca do retorno do desejo recalcado nas formações do inconsciente. “O objeto que falta ao sujeito é também aquele que vincula sua falta-a-ser à falta do Outro” (ZUCCHI e SANTOS, 2007, pp. 65 e 66). Já a clínica do real detecta o vazio do sujeito que não se alia ao vazio do Outro. Observa-se aí algo de errado, conforme as autoras (2007, p. 66), quando “da extração do objeto que falta ao sujeito e ao Outro”. Como bem salienta Recalcati, apud Zucchi e Santos (2007, p. 66), a falta difere-se dramaticamente do vazio: a primeira, com ares de enigma, guarda mensagem cifrada, enquanto o segundo sinaliza para dispersão e inconsistência do sujeito, uma sensação de inexistência que redunda na irrupção de “uma angústia sem nome”.

REFERÊNCIAS 
FREIRE, A B et al. Efeitos terapêuticos na Psicanálise Aplicada. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2005.

ZUCCHI, M. A.; SANTOS, T. C. Estrutura e gozo: os novos sintomas como solução na neurose e nas psicoses. In: Apostar no sintoma. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2007, pp. 61-82.

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