* Valéria Borborema
Em tempos de pandemia de Covid-19, o humano experimenta o assombro de perceber-se amputado na liberdade de ir e vir, de fazer planos a curto e médio prazos, de efetuar laços sociais e, neles, abster-se do toque que aproxima e sela intimidade. Vê-se acuado pelo confronto direto com o sexo, a morte e o desamparo, que produz o trauma, o encontro inglório, deflorado pela irredutibilidade à palavra. O psicanalista francês Jacques Lacan ensina tratar-se do Real pulsional, um dos registros psíquicos norteadores dos seres falantes, ao lado do Imaginário (imagem, identificação, sentido) e do Simbólico (floresta de significantes, convenção, tradição).
E então? Qual a melhor forma de lidar com um cenário devastador, marcado por confusões e enganos? Afinal, é algo novo que, aos poucos, começa a ser desvendado, mas ainda conserva em larga medida o mistério, a incerteza... até que se descubra uma vacina segura e eficaz. Daí o desnorteamento.
Não há resposta pronta e acabada. Sinto muito! É que cada um é cada um. A Psicanálise de Orientação Lacaniana opera no caso a caso. Por outro lado, não existe nessa práxis oposição entre singular e coletivo. O sujeito surge a partir de sua relação com o Outro. Antes de falar é falado.
No surgimento da ansiedade, da angústia, da depressão, busque espaços onde a palavra circule e favoreça a (re)elaboração, a (re)invenção. Como? A arte é excelente caminho. Pinte e borde, dance, leia, cante, escreva, assista a filmes, estude... siga o desejo de viver... só não ceda de seu desejo, ainda que frente ao horror pandêmico.
O mal-estar não pode ser arrancado num passe de mágica e talvez persista mesmo. Você é humano! Logo, sente! O contrário é que seria motivo de preocupação! Aprenda a lidar com a dor de existir sem assombro! Se precisar, peça ajuda!
* Psicóloga Clínica
Foto: Revista Saúde