whatsapp1  38 99965-2757 email1  valeriaborborema@gmail.com

A DOR DE EXISTIR

 

* Valéria Borborema

Em tempos de pandemia de Covid-19, o humano experimenta o assombro de perceber-se amputado na liberdade de ir e vir, de fazer planos a curto e médio prazos, de efetuar laços sociais e, neles, abster-se do toque que aproxima e sela intimidade. Vê-se acuado pelo confronto direto com o sexo, a morte e o desamparo, que produz o trauma, o encontro inglório, deflorado pela irredutibilidade à palavra. O psicanalista francês Jacques Lacan ensina tratar-se do Real pulsional, um dos registros psíquicos norteadores dos seres falantes, ao lado do Imaginário (imagem, identificação, sentido) e do Simbólico (floresta de significantes, convenção, tradição).

E então? Qual a melhor forma de lidar com um cenário devastador, marcado por confusões e enganos? Afinal, é algo novo que, aos poucos, começa a ser desvendado, mas ainda conserva em larga medida o mistério, a incerteza... até que se descubra uma vacina segura e eficaz. Daí o desnorteamento.

Não há resposta pronta e acabada. Sinto muito! É que cada um é cada um. A Psicanálise de Orientação Lacaniana opera no caso a caso. Por outro lado, não existe nessa práxis oposição entre singular e coletivo. O sujeito surge a partir de sua relação com o Outro. Antes de falar é falado.

No surgimento da ansiedade, da angústia, da depressão, busque espaços onde a palavra circule e favoreça a (re)elaboração, a (re)invenção. Como? A arte é excelente caminho. Pinte e borde, dance, leia, cante, escreva, assista a filmes, estude... siga o desejo de viver... só não ceda de seu desejo, ainda que frente ao horror pandêmico.

O mal-estar não pode ser arrancado num passe de mágica e talvez persista mesmo. Você é humano! Logo, sente! O contrário é que seria motivo de preocupação! Aprenda a lidar com a dor de existir sem assombro! Se precisar, peça ajuda!

* Psicóloga Clínica

Foto: Revista Saúde

mascaras recomendacoes

 

Valéria Borborema

 

Em tempos de pandemia do Novo Coronavírus, fluem orientações mil sobre a melhor forma de evitar o contágio. Lavar as mãos com água e sabão, uso de álcool em gel, máscara, luvas, isolamento social...

Como se trata de um ser microscópico que, até agora, segue revestido de mistério, as medidas de contenção também buscam atingir o desconhecido e, assim, tangencia a radicalidade na tentativa de cercar a peste por todos os lados.

É desse modo que situações antes muito naturais transformam-se em verdadeiros desafios. Ir ao supermercado, por exemplo. Antes de guardar os produtos comprados, higienização total. Item por item. Além, claro, de tirar roupa e sapatos, seguido de um bom banho.

Como lidar com o apelo ao absoluto, sem deixar brechas? Será mesmo possível cumprir "ipsis literis" o que sugere a Organização Mundial da Saúde? Bloquear todo e qualquer canal de acesso que possa ser usado pelo maldito vírus?

A Psicanálise opera a partir da castração simbólica. Parte-se do pressuposto de que, diante da falta constitutiva do sujeito, os monstros são triturados, já que algo sempre falta para o absoluto prevalecer. E é justamente no esteio do interdito que viabiliza o império da lei que nasce o desejo. Mas quando falta a falta emerge a angústia e a consequente supressão do desejo, segundo Lacan.

Então, apesar de ser evidentemente necessárias atitudes preventivas, conforme determina a OMS, você não precisa deixar-se tomar pela ansiedade de não conseguir se precaver como gostaria. Necessidade difere de desejo.

Uma coisa é se esforçar para atender a OMS, enquanto estímulo de proteção à vida. Atitude louvável. Outra completamente diferente é se sentir na obrigação/compulsão de seguir os ditames de órgãos da saúde. A qualquer custo.

Daí que, durante o confinamento, entremear o tempo com recursos próprios - leitura, filmes, dança, pintura, teatro... arte de modo geral - deve ajudar muito a suportar o insuportável do risco de morte por causa da Covid-19. Freud ensina que a arte possui capacidade sublimatória. A pulsão é direcionada de um objeto a outro, sem recalque.

Invente-se e se reinvente, inclusive, pois, na hora das precauções contra o Novo Coronavírus. Nada de obrigação! Leveza e tranquilidade no exercício da prevenção para que a vida triunfe sobre a morte!

 

* Psicóloga Clínica

ciencia

* Valéria Borborema

Não! A ciência não pode tudo! Se pudesse, o abismo social não seria tão avassalador e horrendo, apesar de todo artefato científico à disposição da humanidade!

Não! A ciência não pode tudo! Se pudesse, a arrogância observada nos meandros da Academia, dos centros de pesquisa não seria tão constrangedora! O saber passa a valer mais como status do que pela paixão de saber! Especialmente porque, no universo das descobertas, nada é absoluto! Tudo pode e deve ser questionado! A certeza baseia-se na dúvida!

Não! A ciência não pode tudo! Se pudesse, a miséria humana não seria tão devastadora, apesar do processo civilizatório sugerir tanto avanço!

Não! A ciência não pode tudo! Se pudesse, o obscurantismo arrancado das vísceras da Idade das Trevas não encontraria tanto espaço no século XXI! E o século das Luzes, que celebrou, vigoroso, o esclarecimento, o empoderamento humano, ainda refletiria a claridade esfuziante do avançar constante rumo ao desconhecido!

Não! A ciência não pode tudo! Se pudesse, advertiria a humanidade de que uma espécie invisível, microscópica, lograria êxito em colocar o planeta de joelhos... justo numa época quando os segredos da existência caem um após outro, desnudos, impotentes...

Não! A ciência não pode tudo! Verdade!

Mas apenas ela detém o segredo para libertar o humano das agruras da caverna!

Apenas ela possui condições de investir contra a inquisição de corpos e mentes, patrocinada pelo atraso daqueles que rejeitam o conhecimento por preferirem as correntes da cegueira obtusa, nauseante!

Apenas ela é capaz de abater a alienação do escravo que insiste em aceitar o tronco, mesmo diante da emergência do Quilombo!

Psicóloga Clínica

isolamento social e um ato de amor

 

* Valéria Borborema

 

Como lidar com o isolamento social em tempos de pandemia de Coronavírus?

É preciso ao recluso lidar com os lutos advindos de uma situação nova, desconhecida.

Segundo Freud, o luto decorre de uma perda, seja de um ente querido ou mesmo de um ideal. O mundo torna-se cinzento, descolorido. Daí a necessidade de um tempo determinado para melhor apreensão da realidade. O que há de favorecer o redirecionamento da pulsão para outro objeto que não o que já não mais está aqui.

Para Lacan, o luto implica na devolução da castração (falta) ao sujeito, que deixa a condição de eromenos (amante) para assumir a condição de erastes (a quem a falta se faz presente). Daí o amor não ser outra coisa senão dar o que não se tem, ou seja, a própria falta. Com o luto, essa falta é-lhe devolvida.

Então! A perda abrupta da liberdade de ir e vir, por meio do isolamento imposto, precisa receber atenção privilegiada, não acha?

Por quê?

Bem! Se o luto não for experienciado, de alguma maneira ele retorna, mais dia, menos dia, quem sabe até na configuração de um trauma. Para Lacan, o trauma é sempre o encontro com o real (campo pulsional) da morte, do sexo ou do desamparo. Com algo irredutível à palavra.

A melhor maneira de lidar com o luto varia conforme o sujeito, a quem cabe descobrir elaborações significantes próprias, capazes de extraí-lo da concha do narcisismo para enfrentar melhor as vicissitudes da vida. A pulsão flui do Eu para o exterior.

Exemplo desses recursos inerentes ao próprio sujeito? Além de vivenciar a perda, criar ambiente favorável para o fluxo pulsional, usufruir de alternativas como atividade física, leitura, pintura, cinema, escrita, tudo, convém lembrar, de acordo com o desejo de cada um.

Afinal, é no advir das contingências que o sujeito emerge na criatividade, na invenção, no nomear o que o acomete.

A verdade, no entender de Lacan, tem sempre estrutura de ficção.

Bom isolamento social!

 

* Psicóloga Clínica

respeite o louco

 

* Valéria Borborema

 

Não, revisemos nossos conceitos!

Não banalizemos a loucura! Não a desrespeitemos!

Lacan já vaticinara que só "é louco quem pode". O que se subtende que não é louco quem quer. Um modo de existir. Um modo peculiar de gozar.

Na esquizofrenia, a ironia com o mundo aparentemente certinho dos interditados. Afinal, simbólico e real equivalem-se. A palavra não representa a coisa. A palavra é a coisa. O despedaçamento do corpo. Retorno ao autoerotismo. Enquanto a verdade do sujeito barrado tem estrutura de ficção.

Na paranoia, ideias persecutórias, erotomaníacas, de ódio dirigido ao Outro, traição. Explosão de significações. Outrificação. Megalomania. Ordem de comando. Retorno ao Estádio do Espelho.

Não se confunda, portanto, a ausência de castração (falta), que faz da lei e do desejo uma única e mesma coisa, segundo o psicanalista francês, com a premeditação mórbida. Com a certeza obtusa que acoberta a incompetência de liderar. Com o humor negro que debocha da própria vida. Com a predominância da pulsão de morte...

Com o esganiçar de dentes que se assemelha a espécie de apologia a Tânatos e desprezo a Eros. Com o louvor ao barqueiro Caronte que aguarda, ansioso, descer as águas caudalosas do rio Aqueronte rumo ao lugar onde há choro e ranger de dentes.

Não! Por favor! Mais respeito aos loucos!

Que os manicômios (re)abram as portas para receber os sabotadores da humanidade. Que Simão Bacamarte seja enquadrado nos limites das leis psíquicas e dos homens.

 

* Psicóloga Clínica

Página 1 de 2

© 2018 Valéria Borborema. Todos os Direitos Reservados. Designed By Jadir Santos